APROXIMA-SE O NATAL!

         Já estamos no Advento. Palavra oriunda do latim, significando “vinda”, Advento é o “tempo litúrgico da expectativa do Salvador e símbolo da esperança cristã. A salvação que esperamos de Deus tem igualmente o sabor do amor. Na verdade, preparando-nos para o mistério do Natal, assumimos de novo o caminho do povo de Deus para acolher o Filho que nos veio revelar que Deus não é só Justiça, mas é também e antes de tudo Amor (cf. 1 Jo 4, 8). Em todos os lugares, mas, sobretudo onde reinam a violência, o ódio, a injustiça e a perseguição, os cristãos são chamados a dar testemunho deste Deus que é Amor”.
“O Advento é o tempo para preparar os nossos corações a fim de acolher o Salvador, isto é, o único Justo e o único Juiz capaz de dar a cada um a sorte que merece. Aqui, como noutros lugares, muitos homens e mulheres têm sede de respeito, justiça, equidade, sem avistar no horizonte qualquer sinal positivo. Para eles, o Salvador vem trazer o dom da sua justiça (cf. Jr 33, 15). Vem tornar fecundas as nossas histórias pessoais e coletivas, as nossas esperanças frustradas e os nossos votos estéreis. E manda-nos anunciar, sobretudo àqueles que são oprimidos pelos poderosos deste mundo, bem como a quantos vivem vergados sob o peso dos seus pecados: ‘Judá será salvo e Jerusalém viverá em segurança. Este é o nome com o qual será chamada: Senhor-nossa justiça’ (Jr 33, 16). Sim, Deus é Justiça! Por isso mesmo nós, cristãos, somos chamados a ser no mundo os artesãos duma paz fundada na justiça” (Papa Francisco, Catedral de  Bangui, República Centro-Africana, 29/11/2015).
Celebramos duas vindas de Jesus Cristo ao mundo. A primeira, com a sua encarnação, ocorrida historicamente há cerca de dois mil anos, celebraremos no Natal. A segunda, em que meditamos no tempo do Advento, é o retorno glorioso no fim dos tempos. Como disse o Papa Bento XVI, “esses dois momentos, que cronologicamente são distantes – e não se sabe o quanto -, tocam-se profundamente, porque com sua morte e ressurreição Jesus já realizou a transformação do homem e do cosmo que é a meta final da criação. Mas antes do final, é necessário que o Evangelho seja proclamado a todas as nações, disse Jesus no Evangelho de São Marcos (cf. Mc 13,10). A vinda do Senhor continua, o mundo deve ser penetrado pela sua presença. E esta vinda permanente do Senhor no anúncio do Evangelho requer continuamente nossa colaboração; e a Igreja, que é como a Noiva, a esposa prometida do Cordeiro de Deus crucificado e ressuscitado (cf. Ap 21,9), em comunhão com o Senhor colabora nesta vinda do Senhor,  na qual já inicia o seu retorno glorioso”(Angelus, 2/12/2012).    
Há ainda uma terceira vinda de Cristo, também celebrada no Natal. Acontece em nosso coração, pela sua graça. Essa será a grande alegria do Natal: “O encontro pessoal com o amor de Jesus que nos salva... A ALEGRIA DO EVANGELHO enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Todos os que se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento” (Francisco, Evangelii Gaudium). 

A DIGNIDADE DO SER HUMANO

          No dia 20 de novembro último, comemorou-se o dia nacional da consciência negra, cujo fim é o da superação do racismo, especialmente contra os de pele negra ou similar.
        Antropologicamente, a palavra “raça”, referindo-se a seres humanos, está superada, pois biologicamente significa “subespécie” e conota um preconceito contra certos grupos humanos, o que vem a ser “racismo”. Às vezes se usa o termo “raça” para identificar um grupo cultural ou étnico-linguístico, mas seriam preferíveis os termos “população”, “etnia” ou “cultura”.
A Igreja já se pronunciou diversas vezes contra o preconceito baseado na cor da pele ou na etnia, proclamando, firmada na divina Revelação, a dignidade de toda a pessoa criada à imagem de Deus, a unidade do gênero humano no plano do Criador e a reconciliação com Deus de toda a humanidade pela Redenção de Cristo, que destruiu o muro de ódio que separava os mundos contrapostos, para que em Cristo se recapitulassem todos os seres humanos. Com essas premissas, a Igreja prega o respeito recíproco dos grupos étnicos e das chamadas “raças” e a sua convivência fraterna. A mensagem de Cristo foi para todos os povos e nações, sem distinção nem preferências. É o tema repetido por São Paulo: “Não há distinção entre judeu e grego, porque todos têm um mesmo Senhor...” (Rm 10,12); “já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre..., pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gal 3, 28).
Infelizmente, com a descoberta e colonização do Novo Mundo, no século XVI, começaram a surgir abusos e ideologias racistas. Os Papas não tardaram a reagir. Assim, em 1537, na Bula Sublimis Deus, o Papa Paulo II denunciava os que consideravam os indígenas como seres inferiores e solenemente afirmava: “No desejo de remediar o mal que foi causado, nós decidimos e declaramos que os chamados Indígenas, bem como todas as populações com que no futuro a cristandade entrará em relação, não deverão ser privados da sua liberdade e dos seus bens – não obstante as alegações contrárias – ainda que eles não sejam cristãos, e que, ao contrário, deverão ser deixados em pleno gozo da sua liberdade e dos seus bens”. Mais tarde, o Papa Urbano VIII teve até que excomungar aqueles que detinham escravos indígenas. Essas normas da Igreja nem sempre foram obedecidas, mesmo por muitos dos seus membros. Quando começou o tráfico de Negros, vendidos pelos próprios africanos como escravos e trazidos para as novas terras, os Papas e os teólogos pronunciaram-se contra essa prática abominável. O Papa Leão XIII condenou-a com vigor na sua encíclica In Plurimis, de maio de 1888, ao felicitar o Brasil por ter abolido a escravidão. E o Papa São João Paulo II não hesitou, no seu discurso aos intelectuais africanos, em Yaoundé, em 13 de agosto de 1985, em deplorar que pessoas pertencentes a nações cristãs tenham contribuído para esse tráfico de Negros.
E quando, fruto da ideologia racista do século XVIII e XIX (Nietzsche), surgiu na Alemanha o partido totalitário nacional-socialista, o Papa Pio XI, na encíclica Mit Brennender Sorge, condenou as doutrinas nazistas da superioridade da raça ariana sobre as demais.

A LITURGIA É SAGRADA

           Continuo nesse artigo a citar pérolas do último livro do Cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino, com o título “A Força do Silêncio - contra a ditadura do barulho”, pois se trata do Cardeal encarregado pelo Papa de velar pela Liturgia na Igreja.           
            “Não pretendo ocupar nosso tempo opondo uma liturgia à outra, ou o rito de São Pio V ao do Beato Paulo VI. Mas trata-se de entrar no grande silêncio da liturgia; é preciso saber deixar-se enriquecer por todas as formas litúrgicas latinas ou orientais que privilegiam o silêncio. Sem este espírito contemplativo, a liturgia se tornará uma ocasião de dilacerações odiosas e de enfrentamentos ideológicos em vez de ser o lugar da nossa unidade e da nossa comunhão no Senhor. Este é o momento de entrar neste silêncio litúrgico, voltados para o Senhor, que o Concílio quis restaurar”.
          “O que vou dizer agora não entra em contradição com minha submissão e minha obediência à autoridade suprema da Igreja. Desejo profunda e humildemente servir a Deus, a Igreja e ao Santo Padre, com devoção, sinceridade e apego filial. Mas eis aqui a minha esperança: se Deus quiser, quando ele quiser e como ele quiser, na liturgia, a reforma da reforma será feita. Apesar do ranger de dentes, ela virá, pois nela está em jogo o futuro da Igreja”.
            “Estragar a liturgia é destruir nossa relação com Deus e a expressão concreta de nossa fé cristã. A Palavra de Deus e o ensinamento doutrinal da Igreja são ainda ouvidos, mas as almas que desejam voltar-se para Deus, oferecer-lhe o verdadeiro sacrifício de louvor e adorá-lo, já não são cativadas por liturgias demasiadamente horizontais, antropocêntricas e festivas, assemelhadas muitas vezes a acontecimentos culturais barulhentos e vulgares. Os meios de comunicação invadiram totalmente e transformaram em espetáculo o Santo Sacrifício da Missa, memorial da morte de Jesus na cruz para a salvação das nossas almas. O sentido do mistério desaparece pelas mudanças, pelas adaptações permanentes, decididas de forma autônoma e individual para seduzir nossas mentalidades modernas profanadoras, marcadas pelo pecado, pelo secularismo, pelo relativismo e pela rejeição de Deus”.
            “Em muitos países do Ocidente, vemos os pobres abandonar a Igreja católica, pois ela foi tomada de assalto por pessoas mal intencionadas que se fazem passar por intelectuais e que desprezam os pequenos e os pobres. Eis o que o Santo Padre deve denunciar em alto e bom som, pois uma Igreja sem os pobres não é mais a Igreja, mas um simples ‘clube’. Atualmente, no Ocidente, quantos templos vazios, fechados, destruídos ou transformados em estruturas profanas, violando sua sacralidade e seu destino original! Apesar disso, conheço numerosos sacerdotes e fiéis que vivem sua fé com um zelo extraordinário e lutam diariamente para preservar e enriquecer as casas de Deus. Devemos urgentemente redescobrir a beleza, a sacralidade e a origem divina da liturgia...”. 

A FORÇA DO SILÊNCIO

             Sob este título acima, saiu o novo livro do Cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino, com o subtítulo “Contra a ditadura do barulho”. Limito-me a citar algumas pérolas colhidas em tão preciosa obra.
            “Estarem todos em silêncio prolongado diante do Senhor presente em seu Sacramento é uma das experiências mais autênticas da nossa Igreja... Comunhão e contemplação não podem estar separadas, vão juntas. Para estar em comunhão verdadeira com outra pessoa, eu devo conhece-la, saber ficar perto dela em silêncio, escutá-la, olha-la com amor” (cf Bento XVI).
            “Hoje em dia, certos padres tratam a Eucaristia com um grande desprezo. Eles veem a Missa como um banquete em que se fala, onde os cristãos fiéis ao ensinamento de Jesus, os divorciados recasados, os homens e mulheres em situações de adultério, os turistas não batizados que participam das celebrações eucarísticas das grandes multidões anônimas podem ter acesso ao Corpo e Sangue de Cristo, sem distinção... Há um grande perigo de transformar a Eucaristia, ‘o grande mistério da Fé’, em uma quermesse vulgar e de profanar o Corpo e o Sangue precioso de Cristo. Os sacerdotes que distribuem as espécies sagradas não conhecendo ninguém e dão o Corpo de Jesus a todos, sem discernimento entre os cristãos e os não cristãos, participam da profanação do Santo Sacrifício eucarístico. Aqueles que exercem a autoridade na Igreja se tornam culpados, por uma forma de cumplicidade voluntária, ao deixar que se cometa o sacrilégio e a profanação do Corpo de Cristo nestas gigantescas e ridículas autocelebrações, onde tão poucos percebem que ‘vós anunciais a morte do Senhor, até que ele venha’”.
            “Padres infiéis à ‘memória’ de Jesus insistem mais sobre o aspecto festivo e a dimensão fraterna da missa do que no sacrifício sangrento de Cristo na Cruz. A importância das disposições interiores e a necessidade de nos reconciliarmos com Deus aceitando de nos deixar purificar pelo sacramento da confissão não estão em moda hoje em dia...”.
           “No começo de nossas celebrações eucarísticas, como é possível eliminar Cristo que carrega sua cruz e caminha dolorosamente sob o peso dos nossos pecados para o lugar do sacrifício? Há muitos sacerdotes que entram triunfalmente e sobem ao altar, saudando à direita e à esquerda para parecerem simpáticos. Observem o triste espetáculo de algumas celebrações eucarísticas... Por que tanta imprudência e mundanismo no momento do Santo Sacrifício? Por que tanta profanação e superficialidade...? “No começo de nossas celebrações eucarísticas, como é possível eliminar Cristo que carrega sua cruz e caminha dolorosamente sob o peso dos nossos pecados para o lugar do sacrifício? Há muitos sacerdotes que entram triunfalmente e sobem ao altar, saudando à direita e à esquerda para parecerem simpáticos. Observem o triste espetáculo de algumas celebrações eucarísticas... Por que tanta imprudência e mundanismo no momento do Santo Sacrifício? Por que tanta profanação e superficialidade...? 
         Em um sacrifício tão único e essencial, há necessidade dessas fantasias e dessas criatividades subjetivas?... Muitos cristãos fervorosos tocados pela Paixão e a Morte de Cristo sobre a Cruz não têm a força de chorar ou de lançar um grito doloroso em direção aos padres e bispos que se apresentam como animadores de espetáculos e se erigem como protagonistas principais da Eucaristia. Esses fiéis nos dizem, entretanto: ‘nós não queremos nos reunir com homens em torno de um homem! Nós queremos ver Jesus! Mostrai-o a nós durante o silêncio e a humildade da vossa oração!”.

RESSUSCITAREMOS COM CRISTO

          O dia de hoje é dedicado à memória dos fieis defuntos, dos nossos falecidos, daqueles que estiveram conosco e hoje estão na eternidade, os “finados”, aqueles que chegaram ao fim da vida terrena e já começaram a vida eterna. Uma nova vida começou eternamente.
          Em sua última instrução – “Ad resurgendum cum Christo” –, a propósito da sepultura dos defuntos e da conservação das cinzas da cremação, a Congregação para a Doutrina da Fé dá as razões doutrinais e pastorais da preferência cristã em dar sepultura aos corpos.
“A Ressurreição de Jesus é a verdade culminante da fé cristã, anunciada como parte fundamental do Mistério Pascal desde as origens do cristianismo... Pela sua morte e ressurreição, Cristo libertou-nos do pecado e deu-nos uma vida nova... Por outro lado, Cristo ressuscitado é princípio e fonte da nossa ressurreição futura: ‘Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram...; do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo todos serão restituídos à vida’ (1 Cor 15. 20-22)”.
“Se é verdade que Cristo nos ressuscitará ‘no último dia’, é também verdade que, de certa forma já ressuscitamos com Cristo. De fato, pelo Batismo, estamos imersos na morte e ressurreição de Cristo e sacramentalmente assimilados a Ele... Unidos a Cristo pelo Batismo, participamos já, realmente, na vida de Cristo ressuscitado”.
“Graças a Cristo, a morte cristã tem um significado positivo. A Liturgia da Igreja reza: ‘Para os que creem em Vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma; e, desfeita a morada deste exílio terrestre, adquirimos no céu uma habitação eterna’. Na morte, o espírito separa-se do corpo, mas na ressurreição Deus torna a dar vida incorruptível ao nosso corpo transformado, reunindo-o, de novo, ao nosso espírito. Também nos nossos dias a Igreja é chamada a anunciar a fé na ressurreição: ‘A ressurreição dos mortos é a fé dos cristãos: acreditando nisso somos o que professamos’”.
“Seguindo a antiga tradição cristã, a Igreja recomenda insistentemente que os corpos dos defuntos sejam sepultados no cemitério ou num lugar sagrado. Ao lembrar a morte, sepultura e ressurreição do Senhor, mistério à luz do qual se manifesta o sentido cristão da morte, a inumação é, antes de mais, a forma mais idônea para exprimir a fé e a esperança na ressurreição corporal”.   
“Embora não proíba a cremação, “a Igreja continua a preferir a sepultura dos mortos, uma vez que assim se evidencia uma estima maior pelos defuntos. Enterrando os corpos dos fiéis defuntos, a Igreja confirma a fé na ressurreição da carne, e deseja colocar em relevo a grande dignidade do corpo humano... A Igreja, que como mãe acompanhou o cristão durante a sua peregrinação terrena, oferece ao Pai, em Cristo, o filho da sua graça e entrega a terra os restos mortais na esperança de que ressuscitará para a glória”.
Rezemos por aqueles que nos precederam com o sinal da fé e dormem no sono da paz.